sábado, 10 de outubro de 2009

Um outro mundo é possível desde já - Moacir Gadotti

UM OUTRO MUNDO É POSSÍVEL DESDE JÁ
Moacir Gadotti (*)

Nas edições do Fórum Social Mundial caminha-se muito. O “Território Social
Mundial” ainda é pequeno, mas, feito a pé, exige dos participantes uma boa dose de
preparo físico. Eu estava caminhando em Porto Alegre e, vendo o lema do FSM: “um
outro mundo é possível”, perguntei a um companheiro de caminhada: “Você acha
mesmo possível mudar o mundo?” Ele me respondeu: “Só consigo viver acreditando
nisso!” Se a vida pode ter um sentido pleno é para isso que ela serve: para deixar o
mundo um pouco melhor do que o encontramos.
Num outro dia, andando pelas margens do rio guaíba, perguntei a um jovem
mendigo que aí encontrei, se sabia o que estava ocorrendo nas tendas ao lado do rio.
Ele respondeu-me que não sabia. Disse-lhe que aí estavam reunidas pessoas de todo
mundo, sonhando com um outro mundo possível. Ele me olhou e disse: “meu sonho é
continuar vivo”. Não pude continuar o diálogo. Aquela frase colocava-me em xeque, e
me deixava sem palavras. Nem sei se alguma palavra minha poderia fazer diferença
naquelas circunstâncias.
As edições do Fórum Social Mundial são momentos de reencantamento pela
vida, pela luta, pela resistência. Quando alguém olha para qualquer um dos seus
auditórios, sempre lotados, se emociona e tem certeza de que algo novo está
nascendo. Há a sensação de que algo maravilhoso está acontecendo. Há a crença de
que “outro mundo é possível”. É isso que une a tanta gente que deseja transformar
suas vidas para viver numa sociedade mais feliz, mais humana, mais bonita.
Na quinta edição do FSM, em janeiro de 2005, foram valorizadas as atividades
menores, aglutinadas por tema, para evitar a dispersão e facilitar o encontro e a
unidade. Buscou-se, assim, o desenvolvimento de planos de ação coletiva, propostas,
iniciativas locais e nacionais, preparando alternativas, respondendo aos desafios da
globalização capitalista. Criou-se o “Território Social Mundial” com práticas solidárias e
sustentáveis, com uma metodologia nova que fortalece o diálogo, com tradução
voluntária, software livre, economia solidária, transporte alternativo, consumo ético etc.
O importante é tentar viver, desde já, esse outro mundo possível, evitando, a todo
custo, a cilada da disputa pelo controle do processo do FSM. Estaríamos repetindo os
métodos do mundo que queremos mudar. O FSM não é um jogo no qual alguns
ganham e outros perdem. Todos precisam ganhar (menos os que desejam continuar o
mundo de hoje e seus métodos). A luta política, no FSM, está associada a prática de
novos valores.
“É perguntando que encontramos o caminho”, dizem os zapatistas.
O Fórum Social Mundial tem congregado pessoas, instituições, organizações e
movimentos sociais em torno do lema um outro mundo é possível. O desafio é grande.
É preciso muita lucidez e força para tornar real o que é possível. Para isso, ajuda
perguntar pelo caminho. Não basta afirmar que outro mundo é possível. É preciso
mostrar como. Pensando nisso é que gostaria de propor para os leitores e leitoras do
Linha Direta uma reflexão sobre quatro perguntas, distintas e inseparáveis.
Primeira pergunta: Por que devemos mudar o mundo?
Porque estamos insatisfeitos com o mundo atual. Insatisfeitos porque é um
mundo injusto. Os movimentos sociais, unidos pela “Carta de Princípios” do FSM,
defendem a luta contra o neoliberalismo e propõem uma outra globalização. A
globalização neoliberal é um modo injusto de produzir e reproduzir a nossa existência
e põe em risco o próprio planeta. Ela produz guerras, terrorismo, fome, miséria de
muitos e bem estar de poucos. Apesar da sua enorme diversidade, os participantes do
FSM têm uma causa em comum: a construção de uma outra globalização
(alterglobalização).
Segunda pergunta: A quem interessa mudar o mundo?
Certamente, quem está se beneficiando deste mundo não vai se interessar em
mudá-lo. A mudança virá daqueles que sofrem, dos injustiçados e excluídos e
daqueles que com eles se comprometem e lutam. Mudarão o mundo aqueles e
aquelas que sabem que não basta estar consciente da necessidade da mudança. É
preciso estar organizado e convencer muita gente, inclusive aqueles que são
coniventes com o mundo de hoje.
Terceira pergunta: O que é esse outro mundo possível?
As coisas começam a se complicar. Precisamos de respostas, mesmo que
provisórias. Movimentos sociais ligados às causas ambientais, de direitos humanos,
raciais, étnicas, de gênero, entre outros, estão nos indicando o caminho: um mundo
não apenas produtivo, mas ambientalmente saudável, social e economicamente justo,
com eqüidade de gênero e etnia. Mas estamos longe de concretizá-lo em nossa vida
cotidiana, mesmo porque uma mudança profunda na vida social está associada a uma
mudança profunda na vida econômica. Grandes interesses econômicos deverão ser
contrariados, na construção de um outro mundo possível.
Quarta pergunta: Como construir esse outro mundo possível?
Como não se trata de um paraíso a ser conquistado, o outro mundo possível já
está sendo construído. Não é uma utopia longínqua. É um “inédito viável”, como diria
Paulo Freire. Não é um dado, nem um produto, é um processo. Mesmo porque esse
outro mundo possível é feito de relações – de novas relações – e não de objetos. E
não se pense em tomar primeiro o poder para depois reconstruí-lo. Isso não é
suficiente.
Um outro mundo é possível e necessário para que ninguém mais nos diga:
“meu sonho é continuar vivo”. “Navegar é preciso; viver não é preciso”, como nos diz o
poeta Fernando Pessoa. Não basta apenas viver; é preciso navegar, ter um rumo. É
injusto o mundo que faz com que haja ainda jovens cujo único desejo é apenas
continuar vivos. É para isso que precisamos de muita gente como aquele companheiro
de Porto Alegre que, perguntado se achava possível mudar o mundo, respondeu sem
pestanejar: “Só consigo viver acreditando nisso!”

(*) Moacir Gadotti é professor titular da Universidade de São Paulo e diretor
do Instituto Paulo Freire, uma das entidades do Conselho Internacional do Fórum
Social Mundial e membro do Comitê Organizador do FSM 2005. Texto escrito para o
Boletim “Linha Direta” do Partido dos Trabalhadores.

2 comentários:

  1. Oi Sandra!

    Ficou muito legal seu blog!
    Amei!

    Já vou logo ser seguidora pra ficar sempre atualizada e vou ser assídua por aqui.rsrs!
    Parabéns pela criação do blog.

    Bjos!

    Flávia

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  2. Oi, Flavia!

    Obrigada.
    Viu só?!!
    Foi você a responsável por isso... rsrsrs

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