sexta-feira, 16 de outubro de 2009

15 de outubro: Dia do Mestre

Sobre eucaliptos e jequitibás
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Educadores, onde estarão?Em que covas se terão escondido?Professores, há aos milhares.Mas o professor é profissão,não é algo que se define por dentro, por amor.Educador, ao contrário, não é profissão; é vocação.E toda vocação nasce de um grande amor,de uma grande esperança.Profissões e vocações são como plantas.Vicejam e florescem em nichos ecológicos,naquele conjunto precário de situações queas tornam possíveis e - quem sabe? - necessárias.Destruído esse habitat, a vida vai-se encolhendo, murchando, fica triste,mirra, entra para o fundo da terra, até sumir.E o educador? Que terá acontecido com ele? Existirá ainda o nicho ecológicoque torna possível a sua existência? Resta-lhe algum espaço?Será que alguém lhe concede a palavra ou lhe dá ouvidos?Merecerá sobreviver? Tem alguma função social ou econômica a desempenhar?Uma vez cortada a floresta virgem, tudo muda. É bem verdade queé possível plantar eucaliptos, essa raça sem vergonha que cresce depressa,para substituir as velhas árvores seculares que ninguém viu nascer nem plantou.Para certos gostos, fica até mais bonito: todos enfileirados,em permanente posição de sentido, preparados para o corte. E para o lucro.Acima de tudo, vão-se os mistérios, as sombras não penetradas e desconhecidas,os silêncios, os lugares ainda não visitados. O espaço racionaliza-sesob a exigência da organização. Os ventos não mais serão cavalgadospor espíritos misteriosos, porque todos eles só falarão de cifras, financiamentos e negócios.Que me entendam a analogia.Pode ser que educadores sejam confundidos com professores,da mesma forma como se pode dizer. jequitibá e eucalipto, não étudo árvore, madeira? No final, não dá tudo no mesmo?Não, não dá tudo no mesmo, porque cada árvore é a revelação de umhabitat, cada uma delas tem cidadania num mundo específico.A primeira, no mundo do mistério, a segunda, no mundo daorganização, das instituições, das finanças. Há árvores quetêm personalidade e os antigos acreditavam mesmo que possuíamuma alma. É aquela árvore, diferente de todas, que sentiu coisasque ninguém mais sentiu. Há outras que são absolutamenteidênticas umas às outras, que podem ser substituídas com rapideze sem problemas.Eu diria que os educadores são como as velhas árvores.Possuem uma face, um nome, uma "história" a ser contada. Habitam ummundo em que o que vale é a relação que os liga aos alunos,sendo que cada aluno é uma "entidade" sui generis, portador deum nome, também de uma "história", sofrendo tristezas ealimentando esperanças. E a educação é algo para acontecer nesseespaço invisível e denso, que se estabelece a dois. Espaço artesanal.Mas professores são habitantes de um mundo diferente,onde o "educador" pouco importa, pois o que interessa é um "crédito"cultural que o aluno adquire numa disciplina identificada por umasigla, sendo que, para fins institucionais, nenhuma diferençafaz aquele que a ministra. Por isso professores são entidades "descartáveis",da mesma forma como há canetas descartáveis,coadores de café descartáveis, copinhos de plástico para café descartáveis.De educadores para professores realizamos omesmo salto que de pessoa para funções.[...]Não sei como preparar o educador.Talvez porque isso não seja nem necessário nem possível...É necessário acordá-lo. E aíaprenderemos que educadores não se extinguiram como tropeiros e caixeiros.Porque, talvez, nem tropeiros nem caixeirostenham desaparecido, mas permaneçam como memórias de um passadoque está mais próximo do nosso futuro que o ontem.Basta que os chamemos do seu sono, por um ato de amor e coragem.E talvez, acordados, repetirão o milagre da instauração denovos mundos."
RUBEM ALVES. Sobre Jequitibás e Eucaliptos. in: Conversas com Quem Gosta de Ensinar

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